domingo, 9 de maio de 2010

Preparações

Não me julgue... Considero minha vaidade parte do meu amor próprio. Se quero me maquiar para ir ao Hospital, me deixe.

Acho que é minha própria culpa precisar dessa cirurgia. Claro, tudo na vida é nossa própria culpa. As coisas boas e as ruins. Carmas que voltam para nos assombrar ou abençoar. Tudo resultado do que já fizemos a nós mesmos ou a outras pessoas.

Fico pensando o que eu possa ter feito de ruim para ter chegado a esse ponto. Olho o relógio. Não tenho tempo para pensar nessas coisas. Não são remédio para minha doença. O próximo passo é botar uma roupa, antes que minha carona para o Hospital chegue.

O espelho grita comigo: "Vai mesmo castigar os médicos com essas olheiras?? Com este cabelo desgrenhado?" É, vergonha na cara eu não tenho mesmo, deveria pelo menos ter um pouco de maquiagem na pele... Enquanto passo minha base, rezo para Jesus, pra Maria, pra Buddha, pra Chama Violeta... Percebo que hoje é sábado. Dia da Chama Violeta, a chama da Transformação. Se alguém pode me transformar, e hoje - out of all days of the week -, é a Chama Violeta. Sem contar que, no meu carro sujo, ontem escreveram "Jesus me sarou", diferente dos piches comuns de "Mamãe, me lave". Outro sinal... Tudo bem, calma.

Maquiagem feita, interfone berrando. Minha carona chegou. Jogo uns grampos na franja, a prendendo para trás, num rabo de cavalo baixo. Não que esse detalhe vá enriquecer essa história, mas deve ter algum significado. Tudo sempre tem. Dou um beijo na minha cachorra, peço que reze por mim. "Que bobagem, cachorros não rezam".

O elevador parece vir em procissão até mim, de tão devagar que sobe. O preço que se paga por morar na cobertura. Experimente subir de escada em dia de apagão. É assim que mantenho minhas coxas grossas e avantajadas como são. Meu único orgulho (um dos).

Entrando no carro, pareço estar entrando em meu próprio caixão. Ao chegar no Hospital, coloco meu tercinho rosa entre o mindinho e o anelar da mão direita. Nem sei se Deus ainda vai me ouvir hoje em dia, misturando religiões como ando misturando. Se Deus é um só, não entendo como há tantas religiões por aí... Coisa mais esquizofrênica.

Deitada na maca, estou sendo empurrada para o Centro Cirúrgico. Vestindo aqueles roupões infames de Hospital, que insistem em mostrar sua bunda para todo mundo... detestando isso tudo. Já não basta ter sido infectada com esse passado imundo, agora ter que ser cortada para me livrar dele... E ainda deitada seminua nessa maca gelada.

Olho para o teto, vejo as luzes passando como num episódio de House ou E.R. Gostaria de ter minha câmera agora, para registrar o caminho que percorri para o calvário.

- Você vai ser meu anjo?
- Sim, Bruno, o seu anestesista.
- Oi, Bruno, vamos lá, me deixe grogue de uma vez. Chega de lerolero, não quero estar consciente pelos próximos 3 dias.
- Não acho que será necessário esse tempo todo...
- Eu lhe garanto que sim. Mas faça como achar melhor, você é o profissional, estou lhe pagando para não fazer o que eu acho correto.

Começou a injetar drogas nas minhas veias. Fiz o sinal de paz e amor enquanto me afogava lentamente em dúvidas, inseguranças, piadinhas internas e memórias do passado que eu, ali, tentava esquecer. E depois, era breu.

Acordei me sentindo mais leve. Como se a cruz que no princípio eu carregava nas costas e, depois, no ventre, tivesse sido cirurgicamente removida de dentro de mim. Alívio, livre, viva.

Percebi que tudo na vida são preparações. Primeiro, nos preparamos para andar, para falar. Depois, estudamos como preparação para uma vida profissional. Namoramos para noivar, para casar. Maquiei-me para me operar. Operei-me para viver. Melhor, maior, mais feliz.
E você? Qual a sua preparação?

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